terça-feira, 7 de maio de 2013

E depois dizem por aí que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar...

Às vezes coisas ruins acontecem e de uma forma tão estranha que a gente tem que se perguntar se não estamos vivemos dentre de um roteiro bem amarrado de filme americano, algo como o Show de Truman. O cara lá em cima o roteirista geral e a platéia principal, come pipoca e bebe coca-cola enquanto se diverte com a comédia dos erros dessa pobre mortal.

Estava eu levando minha vidinha normal, alguns tédios aqui, algumas decepções ali, algumas alegrias também por acolá. Em uma sexta-feira primaveril eis que me ponho a passear, um jantar no chinês, seguido de um bar francês metido a africano, com um passeio pelas bordas do canal Saint-Martin, cenário da Amélie Poulain. A vida parece até que está cor de rosa.

Antes de voltar para casa um barzinho final na rua da boêmia parisiense, o bar cheio, passo me apertando entre uns e outros, uns homens bonitos e outros não tanto, cruzo olhares com uns olhos azuis luminosos e penso para mim "mas que eu queria eu queria", peço a cerveja, acomodo tudo muito bem dentro da minha pequena bolsa, estilo carteiro fechada a zíper, uma paquerada aqui outra ali. Atravesso a multidão para chegar até o  meu amigo que me esperava. Multidão atravessada, me sinto leve. 

Sim, muito leve, leve até demais, não, não estou leve metaforicamente : a bolsa está aberta e carteira foi levada. Como? sem entender o que acontecera falo muito tranquilamente, pegaram minha carteira. Entorpecida por aquela situação, não entendo o que me aconteceu, 
- como assim, quando?
- agora, entre o bar e aqui. 
- mas como? quem?
- não sei, fui furtada, pelo menos não tinha dinheiro...

Engulo a amarga cerveja, fruto da minha última operação bancária, vamos embora, preciso bloquear o cartão.

- você não precisa de dinheiro? já vou responder amanhã eu saco, quando me toco que não tenho cartão, nem tenho mais titre de séjour, nem carteira de estudante, nem mesmo carteira. Uma sem papel. Enfim, como se estivesse fora de mim vou caminhando, mendigos me pedem dinheiro na rua, apenas respondo acabei de ser roubada, e um olhar de pena e compaixão recai sobre mim. Cartão cancelado, não há muito mais dano a ser feito, me falta prestar queixa.

Dirijo-me então à delagacia no dia seguinte, o endereço apontado pelo google maps, advinhe, estava errado e me fez caminhar alguns quilometros além do necessário. Descubro então que sim a delegacia do meu bairro pegou fogo e está atendendo em outro lugar. Delegacia vazia, três pessoas na minha frente, talvez o sábado não será tão perdido, ledo engano, 3h de espera para dar uma queixa de 10 min. 
Me restou aproveitar o domingo no parque.

Segunda feira, após a tediosa aula matinal, sigo para refazer meu titre de séjour, afinal como boa estrangeira que sou, ficar sem papel por muito tempo pode ser um risco. Fui no endereço indicado : não senhora, estudante é lá do outro lado da cidade, você precisa marcar com antecedência! - mas minha senhora, viajo em um mês. Um simples levantar de ombros deixou bem claro o espírito nem aí da senhora. Telefonei para os responsáveis que visto minha situação me mandaram ir sem hora marcada nem nada. Cheguei. Não podemos fazer nada pela senhora, outro titre demora um mês e não nós não entregamos recibo para pegar duplicata de visto. Mas eu viajo moço, eu passo três meses fora, e eu preciso voltar. - Não posso fazer nada, madame.

Enfim, graças ao advento da internet no celular, vou já marcando meu horário para o quanto antes que para a minha sorte era o dia seguinte. No metrô enfurecida por tanto vai e vem na cidade luz converso com um amigo. 

Péééé! 

toca o alarme da porta que fecha, e sinto apenas alguém violentamente puxar o celular da minha mão o que estará acontecendo, pensa meu cérebro, enquanto meu corpo puxa de volta o aparelho. Na queda de braços, claro que não sou a mais forte, comigo resta apenas um fio partido. Sem saber em que língua me expressar, um grito de pavor sai de minha garganta - aaah!, um senhor ao meu lado tenta pegar o ladrão, a bagunça impede que a porta do metrô se feche e todos tentam, sem sucesso pegar o sujeito, que teve seu casaco perdido e relógio quebrado em tanta confusão. Procuro para ver se deixou para trás meu precioso objeto de comunicação, nada. Entorpecida pego o metrô, não sei mais onde estou e que raio me atingiu essa vez, se fúria divina existe fui vitima dela, mas porque, meu deus? Pago com juros de bancos brasileiros e adiantado por todos os pecados que ainda hei de cometer. O trajeto de volta para casa nunca pareceu tão longo...

Em casa chegou e ligo para aquela cuja função é a de dar colo, fui roubada, de novo! Um email recém chegado na minha caixa de entrada : Marcelle, me ligaram da polícia, acharam seu celular! 
Bom nem sempre pouca sorte é azar! Volto em cima do rastro, meus 40 minutos de metrô abraçada na bolsa, imagina se agora é a vez dela? La na delegacia, sou assim a vítima do roubo, a senhora está bem, se machucou, reconhece o celular, e o meliante, aceita um cookie?

Queixa assinada, retorno para casa. A maré de azar só pode ter passado, no dia seguinte iria pedir a duplicata dos documentos, para deixar de ser sem papel. Se bem que dois boletins de ocorrência em mãos, posso me considerar muito coisa, mas sem papel jamais! Ouço palavras de encorajamento : poderia ser pior! Pelo menos você está viva, pelo menos não foi um assalto! Claro que enquanto se está vivo sempre pode ser pior, mas isso não muda o fato de ser ruim, nem devemos agradecer por ter sido só um roubo e não um assalto, ou só um assalto e não um sequestro, e quando tudo acaba, ainda podemos dizer : pelo menos subiu para o paraíso e não desceu para o calabouço... No final, ta valendo ficar feliz por dias tediosos, afinal nada aconteceu...

Já em casa vou conferir, quando será que o novo cartão chega, afinal preciso poder acessar meu dinheiro. Saldo 1€. Como assim, me pergunto, não tinha tantas dividas a pagar... 

Lembra o primeiro roubo? Enfim resultados tardios devido à demora de processamento de saques bancários durante o fim de semana... 

Enfim, prever mais um dia na delegacia para fazer o boletim de ocorrência número 3. Tudo resolvido desde minha situação com o titre de séjour à queixa no banco... Voltando para casa num dia tão primaveril quanto aquele em que tudo começou, um chinês aleatório na rua sorri e me diz :

- Feliz Ano Novo

Para quem achava que eu não entedia ironias, essa não deixou dúvidas...


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