terça-feira, 5 de novembro de 2013

Vivendo fora de casa, ou melhor, dentro da SUA casa

Quando era adolescente, sempre sonhava em um dia morar com a melhor amiga, sair do manto materno e ir desbravar outros mundos, ou melhor outras cozinhas, banheiros e horários de almoço...

Claro que antes disso tudo a gente sempre esquece que fora do recanto da mamãe a louça não é auto-lavante, a roupa de cama não é auto mutante, as refeições não tem tanta qualidade... Mas esse dia sempre chega, e aos 18 anos ao invés de sair da casa dos pais, foram eles que saíram da minha, voltaram para o "interior" me deixando sozinha em um ap de adulto, em nobre bairro soteropolitano. Pobre menina rica, 3 quartos para escolher um por dia onde dormir, a empregada vinha todo dia, quase uma babá, cozinhava, limpava, lavava, restava a essa pobre pós adolescente pagar as contas e tudo magicamente funcionava. A vida sozinha era belíssima!

Mas tudo que é seguro um dia acaba, e a gente bate asas para longe, para o outro lado do oceano de preferência. E para qualquer criança da década de 90, dividir um apartamento é o sonho: o dia a dia dos sitcoms americanos, amigos presentes em seu espaço compartilhado, risadas, bebidas, diversão, tudo parece a perfeição. 

Oh! o dia-a-dia real, você o nota quando está carregando um sofá em uma escada estreita, em seguida um armário de 50kg, e se encontra na madrugada montando móveis IKEA com manuais de desorientação.

A vida não tem mais regras, e Paris é sim uma festa, brigadeiros na madrugada, garrafas de vinho na segunda-feira. O problema é acordar na terça e descobrir que as garrafas não aprenderam o caminho da rua, o brigadeiro frio na panela já não tem mais charme e aquela fruta que você prometeu comer exala um odor estranho na geladeira e você não sabe de onde vem. De repente seu saco de roupa suja ultrapassa o de roupa limpa, e você termina saindo assim com aquele figurino meio úmido, meio amassado que acabou de sair da máquina. Eis que você vira sua mãe, fazendo para seu roommate a mesma piada que ouviu toda sua infância: "você é filha do dono da coelba?" (COELBA era a empresa de eletricidade da Bahia na minha infância). 

Compartilhar o espaço não é um seriado americano, primeiro porque ninguém tem dinheiro para pagar um apartamento grande e bem decorado, seja ele em dólares ou em euros, principalmente se seu emprego é quase inexistente. (Exceto quando seu sofá fica realmente preso na escada) Mas é saber que nem todo cabelo que entope o ralo é seu, encontrar a pia transbordando quando tudo que você quer é um copo com água, receber visitas depois de um pé na bunda quando tudo que se quer fazer é correr e chorar num canto. É aprender a abrir mão e ser assertiva, reclamar sem explodir e conseguir ficar quieta sem implodir. 

Porém, se "o inferno são os outros", vale lembrar que o paraíso é um tédio e aos vintetantosanos ninguém quer viver no branco profundo ao som de uma harpa. E é no vermelho intenso que a gente encontra o calor, o calor humano de um abraço inesperado, de uma risada compartilhada, de saber que ninguém vai te deixar chorar sozinha pelos amores mal resolvidos (e sim, eles são muitos), mas talvez te impulsionem a abraçar o capeta enquanto se entope de brigadeiro, é sempre ter alguém para dividir o brigadeiro na madrugada (e dessa forma ter certeza que sozinha não engordará).

A vida fora do ninho não é cor-de-rosa, e às vezes dá sim vontade de pedir penico.  Abrir mão de tudo para poder acordar e encontrar um espaço impecável, enquanto a vovó pergunta: "o que você quer almoçar hoje?"

Mas em meio a todo o caos, toda a implosão, e toda a diversão que fazem você sentir que nunca sairá dos seus vinte e poucos anos e se metamorfosear em adulto de verdade, você se pega pensando que se essa vida assim não estava nos seus planos, você não a trocaria por nenhuma outra. 

Corrigindo: se as garrafas soubessem o caminho da rua tudo seria muito melhor....