terça-feira, 5 de julho de 2011

Traduzindo-me

Sempre me vi como um andarilha, um ser sem raízes, mas com pernas, pernas para andar por esse mundo para não me fixar em lugar nenhum... Até que um dia, um sábio italiano me disse: você não é um pássaro, pode até querer ser, mas não o é... essa frase ficou martelando em minha cabeça...

Verdade que uma parte de mim quer ir embora, partir para outras terras, desbravar outros continentes... Mas sempre que deparada com essa possibilidade um medo me percorre a espinha, não medo do desconhecido, mas o medo das minhas motivações.

Temo não estar indo em direção a algo, mas me sinto em fuga, foragida de mim... Na vontade de ser outra, fujo de mim, do que sou, do que me tornei ou do que posso vir a ser... Me sinto Peter Pan, eterna criança peralta, e temo sair da terra do nunca, desejo não deixar de voar, para sempre ser criança perdida, viver de sonho e fantasia, em meio a fadas a sereias, pura sem saber diferenciar um beijo de um dedal...

Mas eis que o eterno tic tac da realidade me persegue, e de Pan viro Gancho, medrosa e assustada, lutando uma batalha perdida, tentando destruir a criança que fui, que sou ainda... Há momentos em que vislumbro aquela menina corajosa, que não teme sofrer e que está pronta para tudo, não teme pular do precipício pois asas tem... Tento não deixar de sê-la, mas sei que não passa de uma imagem, se por fora sou Pan, esse garoto peralta, aventureiro e corajoso, por dentro sou Wendy, menina cautelosa, que precisou voar para saber que queria manter os pés nos chão, que necessitou ir para saber que queria ficar...

E sigo assim, em contradição eterna, sofrendo alegremente e sorrindo enquanto choro... Posso ser Pan, Wendy ou Gancho, ora vôo para o infinito guiada apenas pela esperança, ora fujo da realidade que insiste em bater em minha porta, e às vezes, somente às vezes, acredito que a realidade e nada mais possa ser minha grande aventura.

Mas, afinal, que sei eu? Sou apenas mais uma nesse caminho de múltiplas escolhas e nenhum gabarito que é a vida...

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
alomoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
_ que é uma questão
de vida ou morte _
será arte?

Ferreira Gullar

Um comentário:

  1. Nossa...sentimentos em ebulição,,,mas quem não os tem? parte de mim é tudo isso, outra parte é pé no chão... balões cor de rosa...ah...eh bpm tentar agarrá-los antes que se vão, antes que estorem e você desperte, ainda é cedo para acordar do sonho...

    ResponderExcluir