domingo, 13 de outubro de 2013

A letra fora do alfabeto

Em uma bela quinta feira pós verão tudo que outrora estava acertado, pago e definido desfez-se. Havia uma passagem para aquela grande maçã, cenário de intensas paixões de verão. Bom preço, pensava, passagem barata, me sentia a grande sortuda! Porém paixões acabam, e na quase véspera da partida, nem sofá havia sobrado do grande amor de outrora. E o que era barata virou cara, imutável, invendável, não rembolsável. O bolso e o coração duelavam. 


Vai! Vai! Vai! Vai!

Não Vou!



Não fui! 

E, como ainda diz a canção: amor só é bom se doer, pergunte para o meu saldo bancário que estava vermelho de dor. Encontrava-me sem casa, pois enquanto acreditava que ia aluguei meu quarto, passagem desmarcada, arrumei as malas, mudei para a sala. 

Coração partido, conta quebrada, espremida no sofá cama, facebockiando minhas desventuras descubro amigos daquela mesma grande maçã vindo ao velho mundo: uma carona para Zurich? 
Por que não, me pergunto, a mala está pronta, já estou no sofá mesmo, porque não troca-lo por um Suiço. Assim sem aviso prévio, sem programação, sem lenço nem documento, num céu de quase dezembro, eu fui.
Pulei no carro com um quase estranho, quase conhecido que em breve seria amigo. 
- Pararemos em Lyon primeiro, me disse. Topo tudo, respondi.


Uma vez que o plano A havia falhado, e os planos B, C e D não tinham a atratividade daquela primeira vogal. Eis que o inesperado acontece, que te impele apenas a dizer sim e mostra que tudo não passa mesmo de uma folha em branco, tudo pode ser redigido, riscado, pintado, mas se a tinta é permanente, o número de folhas é ilimitado.

Em Lyon, adentro em um albergue espanhol, um grande apartamento, jovem, caótico, artístico. Música toca, pós adolescentes enroscam-se nos sofás, fumando, bebendo, pintando, fazendo música, cozinhando. Peregrino pela cidade com esses estranhos e amigos, jantamos um jantar preparado à 20 mãos, todos colaboram, dessa forma o acerto é coletivo. A noite chega, nos espalhamos por aí, dorme-se no quarto, no colchão, na sala, na cozinha ou no chão.



Lyon
No dia seguinte, malas refeitas, pulamos no carro seguimos para a terra de Dada. Para cada quilômetro de túnel seguia-se uma bela paisagem: montanhas, lagos, cada curva uma surpresa. Em Zurich fui acolhida por aquele abraçaço que tanto precisava, mas não pedia, sequer sabia. Sorrisos, historias compartilhadas, vinhos, maçãs, fondues. Embarcamos num trem rumo ao topo da montanha, uma bela vista nos esperava. Nos encontramos no centro da nuvem, um branco infinito nos rodeava, como aquela folha, repleto de possibilidades. Não há tempo ruim suficiente para sufocar o riso, evitar as fotos, matar os abraços. No retorno tomamos o barco a vapor rumo à belíssima Luzerne e sua ponte de madeira. Um chocolate quente, um café irlandês, um alemão mal falado. Passeio pela cidade do Dadaísmo, igrejas, lagos, salsichas e mostarda, a chuva e o frio não nos impedem de aproveitar cada momento, perdidos nas pequenas ruas. Foi com uma pizza e um abraço apertado que me despedi da evil crew, que se formou em um verão, assim tão aleatoriamente quanto essa viagem. 



O horizonte branco. Foto por: Steve V Peralta

 Se eu não parti para cidade que nunca dorme, foi ela que veio até aqui perturbar meu sono, colar o coração, com cola de maresia, com abraço de amigo, com gargalhas sem motivo. Retornei à cidade luz renovada, preparada para mais uma, para mais várias, para o inesperado e a aventura, em busca das folhas em branco.

Aquilo que nem era plano nem nada, não era nem possibilidade, transforma-se na mais bela aventura. Nada pode dar errado, afinal não há expectativa, nem check list, não existe certo. Finalmente joguei fora os planos de A à Z, e pulei naquele que nem existia mas que apenas era...

Meu destino não traço,
Não desenho, disfarço,
O acaso é o grão-senhor.

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